segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Para sempre

Comecei a pensar nesse post há alguns dias, quando fui assistir Batman e dormi do começo ao fim do filme. Meus amigos indignados: COMO VOCÊ CONSEGUIU DORMIR? Dormi. Simples, fechei os olhos e só acordei duas ou três vezes pra mudar a posição do meu braço que insistia em ficar adormecido. A indignação se estende quando eu falo que nunca li quadrinhos, nem vi Harry Potter ou Senhor dos Anéis, nem Dragon Ball, nem Cavaleiros do Zodíaco, nem Caverna do Dragão. E, pasmem, nunca vi O Rei Leão! O desenho que permeou a mente de todas as crianças, que emocionou os pequenos e seus pais. Não pude assistir.

Na época de conversar sobre como ter o corpo ideal e alternar horas de academia e "trocar uma ideia com a galera", eu pensava no cesto de roupas que tinha para lavar e depois passar, estudava Latim aos sábados e matemática aos domingos. Na época de ter ídolo e pôster no quarto, eu guardava alguns CDs de Rock na gaveta de calcinhas e escutava no fone de ouvido depois que todos de casa tinham ido dormir. Na época de dar o primeiro beijo e pegar na mão do paquera da escola, eu corria de todo tipo de afeto.

As brincadeiras em troca de horas sentada no banco da igreja. As festas juninas, ano após ano, que eu não dancei. As poesias que foram rasgadas para ninguém achar que eu era triste. Os CDs que foram jogados fora quando encontrados. A criatividade de teatros e a vontade de fazer algo diferente e não ser mais uma medíocre, ridicularizadas. O que me foi vetado caiu, se perdeu numa valeta em algum lugar do passado. Um quarto quebrado, um nariz quebrado, um coração quebrado... para sempre.

Vê-la sofrendo me doía. Lembro-me de quando via seu rosto molhado e pegava minhas mãos pequenas com unhas roídas para limpar. Dormia em seu ombro, sentindo o seu cheiro e era a menina mais importante do mundo. Mas a porta da sua felicidade estava trancada para mim, ofereci meu amor para abri-la, mas o meu amor não era a chave adequada. Não suportava o fato de ela ser triste. Se, pelo menos, deixasse eu me aproximar dela para acariciá-la, mas ela não queria. Amei-a loucamente durante minha infância e adolescência. Depois a detestei. E, por último, a abandonei. Eu a irritava. Não sabia conversar com ela, agia desastradamente e a chocava.

E ela prosseguiu no que achava correto, tão calma quanto eu me agitava, tão inteira quanto eu me dilacerava; meu coração batia até se despedaçar. Ninguém, além dela, poderia interromper a degradação da minha alma. Meu corpo ser curvou e eu me tornei feia, por fora e por dentro. Se eu pudesse saber o mal que ela me faria, se eu pelo menos desconfiasse a ferida incurável que ela iria me abrir, eu teria fugido. Ela esmagou meus joelhos, arrebentou meus tímpanos, quebrou meus dedos, me dissecou. Quantos golpes violentos me acertou; que brutalidade, que carnificina. A lembrança da vulgaridade das palavras em sua boca e da raiva nos seus olhos esverdeados me dá calafrios e uma náusea constrangedora. E Ele? Ele nada podia fazer para me proteger ou livrar, pois não tinha dimensões próprias. Ele era o que ela havia construído, e só.

As sequelas são terríveis. Medo reavivado pelo pesadelo que tive domingo e tenho vergonha de contar; o rancor vem à tona. Não vejo muito a se fazer, só esperar. Caminhar um dia de cada vez e torcer para que esse monstro que se aninha entre meus ombros e meus peitos durma tempo bastante para não despertar outra vez antes que eu tenha ido. Sobrevivo com o nada que sobrou. Não posso ser amada, não posso seduzir, somente ser rejeitada. Me destruo, me perco, me desprezo, me odeio. Não sinto prazer, mas também não sinto aversão. Nada me choca, nada me surpreende, não sinto mais medo de me machucar. Luto para parecer normal. Todas as minhas forças são usadas para enterrar a minha violência, o mais fundo possível. Isso faz tudo em mim doer, principalmente a garganta, para que a ferocidade e nada mais saia.

Heleninha.

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